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TJDFT julga ILEGAL prisão do CB Robertson

Decisão: Veja aqui

Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Auditoria Militar do Distrito Federal

SENTENÇA
1. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS denunciou o CB/PMDF JOSÉ ROBERTSON OLIVEIRA DE MEDEIROS como incurso nas penas do artigo 301 do Código Penal Militar, pela prática do seguinte fato delituoso, in verbis:

"Nos dias 04, 18, 18 e 31 de julho de 2013 e 01 de agosto de 2013, o denunciado, de forma voluntária e consciente, desobedeceu à ordem legal de autoridade militar de comparecer a oitiva pessoal em Inquérito Policial Militar.
Consta dos autos que no dia 04 de julho de 2013, o denunciado foi comunicado que deveria comparecer no dia seguinte, 05 de julho de 2013, às 17h, na Subseção de Pessoal do 6º BPM/DF, e se apresentar ao CAP QOPM XXXXX XXXXXXX XXXXXX encarregado do Inquérito Policial nº. 2013.031.0040.0148, a fim de ser ouvido na condição de investigado por ter desobedecido à ordem legal de autoridade militar na sindicância nº 2012.017.0040.1044.
Todavia, o denunciado não compareceu na data determinada, conforme se depreende do ofício nº 07/IPM (fl. 35).


Posteriormente, em 18 de julho de 2013, o denunciado foi comunicado, por meio eletrônico, pelo 1º SGT XXXX XXXXXXXX XX XXXXX XXXX, da 1ª Seção do 6ª BPM/DF, da nova ordem de apresentação para o dia 19 de julho de 2013, às 17h, na Subseção de Pessoal da Unidade.
Novamente, o denunciado não se apresentou ao CAP XXXXX XXXXXXX XXXXXX como se verifica à fl. 37.
No dia 31 de julho de 2013, o denunciado foi novamente comunicado, por meio eletrônico, que deveria se apresentar no dia 01 de agosto de 2013, às 17h, ao CAP QOPM XXXXX XXXXXXX XXXXXX.
No mesmo dia da sua apresentação, 01 de agosto de 2013, por volta das 07h, quando o denunciado já se encontrava na Unidade, a ordem foi retirada através da entrega formal de ofício com ordem de apresentação ao CAP QOPM XXXXX XXXXXXX XXXXXX, para se apresentar às 10h e ser ouvido na condição de acusado de ter desobedecido à ordem legal de autoridade militar.
Novamente, o denunciado não se apresentou à Subseção de Pessoal da Unidade.
Diante disso, o CAP XXXXX XXXXXXX XXXXXX comunicou o TC QOPM XXXXXXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Comandante da Unidade, das reiteradas negativas do denunciado de se apresentar.
O TC XXXXXX, ao tomar conhecimento dos fatos, foi pessoalmente falar com o denunciado e lhe esclareceu das conseqüências de seus atos, oportunidade em que o mesmo respondeu que conhecia seus direitos e não iria se apresentar para depoimento.
Com tais comportamentos está denunciado incurso nas penas do art. 301 do Código Penal Militar".

Os autos vieram conclusos, para a análise da denúncia.
É relato necessário. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Pela leitura da denúncia, percebe-se que a conduta imputada ao denunciado foi a de não comparecer ao local designado para o seu interrogatório em IPM no qual ostentava a condição de investigado, o que configuraria, segundo o Ministério Público, o crime de desobediência (art. 301 do CPM).
Entretanto, tenho entendimento no sentido de que a conduta narrada na peça acusatória é atípica. Senão vejamos.
O suposto crime de desobediência praticado pelo acusado teria ocorrido, exclusivamente, em razão do não atendimento de ordem para que ele se apresentasse para ser interrogado em IPM no qual figurava como investigado.
A partir desse dado, deve-se examinar qual é a natureza jurídica do interrogatório.
Durante muito tempo se discutiu se o interrogatório seria um meio de prova, se teria a natureza mista ou simplesmente um meio de defesa.
Com a Constituição de 1988, que consagrou no inciso LV do artigo 5º o direito à ampla defesa, tanto nos procedimentos judiciais como administrativos, consagrou-se o entendimento de que o interrogatório constitui-se em um meio de defesa do acusado ou investigado, por meio do qual ele pode dar sua versão sobre os fatos em apuração, exercitando, portanto, o direito à autodefesa.
Por ter o interrogatório a natureza de meio de defesa, que cabe exclusivamente ao acusado ou investigado, ele também é enquadrado como um direito, o qual deve ser oportunizado tanto no âmbito judicial como administrativo, sob pena de nulidade do procedimento.
Nesse sentido, colhe-se a lição de Renato Brasileiro de Lima:
" (...) meio de defesa: em sede de persecução penal, como o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, por força do direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício dessa especial prerrogativa, conclui-se que o interrogatório qualifica-se como meio de defesa. O interrogatório está relacionado, assim, ao direito de audiência, desdobramento da autodefesa. Por meio dele, o acusado tem a oportunidade de apresentar ao juiz a versão sobre os fatos. 
Daí por que tem natureza jurídica de meio de defesa. Com a entrada em vigor da Lei nº 10.792/03, e, posteriormente, em virtude da reforma processual de 2008, esse entendimento ganhou reforço. A colocação do interrogatório no final da instrução processual pela reforma processual de 2008, possibilitando que o acusado seja ouvido após a colheita de toda a prova oral, reforça sua verdadeira natureza jurídica de meio de defesa." (In: Curso de Processo Penal.
Niterói: Impetus, 2013, p. 645).
No mesmo sentido, lecionam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:
"Consubstanciando-se a autodefesa, enquanto direito de audiência, no interrogatório, é evidente a configuração que o próprio interrogatório deve receber, transformando-se de meio de prova (como considerava o Código de Processo Penal de 1941, antes da Lei 10.792/2003) em meio de defesa: meio de contestação da acusação e instrumento para o acusado expor a sua própria versão.
É certo que, por intermédio do interrogatório - rectius, das declarações espontâneas do acusado submetido a interrogatório -, o juiz deve tomar conhecimento de notícias e elementos úteis para a descoberta da verdade. Mas não é para esta finalidade que o interrogatório está preordenado. Pode constituir fonte de prova, mas não meio de prova: não está preordenado ad veritatem quaerendam.
E mais: diante da garantia maior do Nemo tenetur se ipsun acusare, o acusado sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova". (In: As nulidades no processo penal. 11ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 75).

De outro parte, por ser enquadrado como um direito e não como um dever, o acusado ou investigado, tanto no âmbito judicial como administrativo, pode dele abrir mão se que isso tenha ou cause qualquer repercussão em sua esfera jurídica, como por exemplo o crime de desacato ou desobediência.
O Estado, no seio de seus procedimentos sancionatórios, deve facultar ao acusado ou ao investigado a oportunidade de ele, caso queira, apresentar sua versão dos fatos. Contudo, esse mesmo Estado jamais pode obrigar ao cidadão constante do pólo passivo que venha perante um de seus representantes para apresentar a sua versão do ocorrido.
Esse direito de o acusado ou investigar não ir ao interrogatório também constituiu um desdobramento da garantia constitucional ao silêncio (CF, art. 5º, inciso LXIII).
Se o acusado ou investigado pode ficar em silêncio perante uma autoridade sem que isso tenha qualquer repercussão negativa em sua esfera jurídica, exigir que ele se dirija a essa mesma autoridade, sob pena de se incorrer em algum delito, se mostra desproporcional e abusiva, de modo que também não pode ser tolerado ou admitido.
A propósito, essa também é o entendimento de Renato Brasileiro de Lima:
"Discute-se na doutrina se o interrogatório é um ato obrigatório ou facultativo. A nosso ver, como o interrogatório é a concretização do direito de audiência, desdobramento da autodefesa, é óbvio que o juiz deve assegurar ao acusado a possibilidade de ser ouvido. Porém, como o acusado pode se valer do direito ao silêncio, dúvida não há quanto à possibilidade de o acusado abrir mão do seu direito de tentar formar a convicção do magistrado. Afinal, de contas, diversamente da defesa técnica, que é irrenunciável (CPP, art. 261), a autodefesa é plenamente renunciável.
Logo, se o acusado tiver sido citado pessoalmente para a audiência uma de instrução e julgamento, caso não queira acompanhar os atos de instrução, abrindo mão também do seu direito de trazer ao juiz a sua versão a respeito da imputação constante da peça acusatória, basta que não compareça à audiência, deixando a cargo de seu defensor o exercício de sua defesa". (In: Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 648).
Eugênio Pacelli e Douglas Fischer também defende esse entendimento:
" Depois da reforma procedimental da Lei 11.719/08, que unificou a instrução, deixando o interrogatório do acusado como a última etapa da referida fase, provavelmente não se discutirá, ao mesmo na mesma intensidade, a questão relativa ao não comparecimento dele para o ato.
Como quer que seja, esclareça que, desde a Constituição de 1988, não há qualquer obrigatoriedade de comparecimento do acusado ao ato de interrogatório. Direito ao silêncio significa livre escolha quanto ao exercício ou não de meio específico de prova da defesa. Não se pode, por isso mesmo, exigir que o réu compareça em juízo, unicamente para ali se manifestar seu desejo de não participação. Tendo sido ele citado pessoalmente, o simples não comparecimento, em princípio, implicará desinteresse na instrução, o que, de modo algum, poderá autorizar o Estado a adotar providências de natureza coercitivas contra ele". (In: Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 417).

Como se não bastasse tudo o que já foi dito, o denunciado, em 11.6.2013 e 29.7.2013, condicionou o exercício do seu direito de ser ouvido perante a PMDF na condição de investigado à nomeação de um Defesa, conforme se nota pelas solicitações de fls. 106 e 111.
O denunciado solicitou, por duas vezes à PMDF, assistência jurídica para que pudesse adequadamente exercer o seu direito à autodefesa, assistência esta que é uma garantia constitucional inscrita no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal.
Contudo, a PMDF além de não cumprir o mandamento constitucional, o qual assegura que o "Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", prendeu o denunciado sob a acusação de ter cometido o crime de desobediência por não ter atendido à ordem de comparecer para ser interrogado na condição de investigado.
Esse proceder na PMDF se mostra flagrantemente abusivo e violador, ao menos de três garantias constitucionais, que são tão caras ao Estado Democrático de Direito em que vivemos, a saber: os incisos LV, LXIV e LXXIV do artigo 5º do Texto Magno.
Assim, a não ida do denunciado ao local determinado para ser interrogado na condição de investigado consistiu no exercício regular de um direito que só a ele compete, sem que isso possa consistir em qualquer infração penal.
Na realidade, o que se verificou na espécie foi o fato de que, como a PMDF não nomeou ao denunciado um Defensor na forma solicitada, ele exerceu o seu direito constitucional de não comparecer para ser interrogado.
Entretanto, de maneira tosca e arbitrária, a PMDF o prendeu em flagrante pelo crime de desobediência, o qual manifestamente não se configurou.

3. DISPOSITIVO

Desse modo, rejeito a denúncia com fundamento na alínea 'b' do artigo 78 do Código de Processo Penal Militar.
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.
Encaminhe-se cópia desta sentença para o Comandante Geral da PMDF e para o Corregedor Geral da PMDF para fins de orientação da tropa, bem como determino que o esse último apure a conduta arbitrária do condutor do Auto de Prisão em Flagrante Delito nº 4/2013, cujas providências devem ser imediatamente comunicadas a este Juízo.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
Brasília-DF, 19 de dezembro de 2013. 

Yeda Maria Morales Sánchez
Juíza de Direito Substituta



Fonte: TJDFT - http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml122&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=31&CDNUPROC=20130111109726
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8 comentários

  1. SO NA CABEÇA DE OFICIAL QUE ESSA PRISÃO É LEGAL...

    A LUZ DA JUSTIÇA COMUM, ESTÁ CHEIA DE ABUSOS, SIMPLES.

    IMAGINEMOS TODOS NÓS PRAÇAS SENDO ACOMPANHADOS PELA JUSTIÇA COMUM E LIVRE DO RDE QUE NOS ESCRAVIZA E NOS HUMILHA? COM CERTEZA A POLICIA SERIA MUITO MELHOR E A POPULAÇÃO GANHARIA MUITO COM ISSO.

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  2. Cara, que coisa linda de ler.
    Ainda bem que não foi comigo, se fosse eu estaria preso, chorando e reclamando, de tão trouxa que sou.
    Tô falando sério.
    Mas esse finalzinho aí, de o dispositivo, me deu até arrepio de felicidade, quase tiver um orgasmo.
    kkkkkkkkkkkkkk!!!
    A frase:
    a frase:
    "...determino que o esse último apure a conduta arbitrária do condutor do Auto de Prisão em Flagrante..."

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  3. Um dos textos mais belos e emocionantes que já li no últimos 26 anos..

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  4. finalmente foi feito justiça ao praça que sirva de lição para estes oficiais autoritários que não cumprem com o seu verdadeiro dever tudo porque acham que a Pm é so deles no entanto apoio o companheiro e que o juiz que arbitrou a sentença faça mais justiça ainda colocando este oficial dono da verdade e arbitrário atrás das grades e ainda pagando uma enorme indenização ao Cb .

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  5. Brilhante decisão,,,,Justiça 1,,,,RDE 0!!!! rsssss Temos urgentemente que nos livrar das correntes desse dispositivo arbitrário que além de negar a Defesa ao acusado,,ainda determina sua prisão,,,arbitrária diga-se,,,pelo crime de desobediência!!!???
    Ridículo!!!!!!!!

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  6. A maioria dos oficiais da pmdf são formados em administração, são poucos os que se formaram em direito, e estes poucos formados alguns que se dedicam ao aprofundamento dos conhecimentos adquiridos em suas faculdades e estes oficiais pegam estes ipms sem conhecimento de causa, e quando tem um policial que conhece seus direitos deu isso ai, apenas usam para ter no curriculum, e somente mais um diploma na gaveta, e estes formados em administração temos bons e outros que não vou classificar. ass; CB, RONALD.

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