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Unificação das polícias é essencial para segurança pública, diz general

Vejam este trecho da entrevista:
Amanda Costa
Do Contas Abertas 

O general reformado do Exército, Cândido Vargas Freire, que foi secretário de Segurança Pública do Ceará e do Distrito Federal, coleciona diversos cargos em seu currículo, tanto na área militar, como em segurança e na política. Amigo pessoal do atual comandante do Exército, general Enzo Peri, Cândido Vargas defende a criação do Ministério da Segurança Pública, a unificação das polícias, a desincompatibilização entre segurança e política e, ainda, aconselha a presidente eleita Dilma Rousseff a propor um pacto aos partidos políticos para votar projetos importantes nas áreas de segurança, saúde e educação. Em entrevista exclusiva ao Contas Abertas, o general, que contabiliza 47 anos de vida militar, afirma discordar do termo “ditadura militar”. Para ele, a revolução de 1964 foi um “mal necessário”.

Cândido Vargas, que é sobrinho-neto do ex-presidente Getúlio Vargas, ocupou vários postos no alto comando do Exército. Foi chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Sul, em Porto Alegre e comandante do 2º Grupamento de Engenharia de Construção de Manaus, entre outras funções. Um dos atos mais marcantes para o general aconteceu em 1995, quando atuou como coordenador da missão que garantiu o tratado de paz entre Equador e Peru, ao comandar forças de paz dos Estados Unidos, Argentina, Chile e Brasil.
Em 1997, já como general reformado, assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Ceará, a convite do então governador Tasso Jereissati. Depois, tornou-se assessor parlamentar do agora senador Tasso. Cândido Vargas foi, então, convidado para chefiar a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal logo no início da gestão José Roberto Arruda, em 2007. Freire aceitou o convite, feito pelo então vice-governador Paulo Octávio e permaneceu no cargo por pouco mais de um ano, quando se afastou.
Leia a entrevista na íntegra abaixo:
Contas Abertas: Seu posto como secretário de Segurança Pública no Ceará era favorável para um bom trabalho?
General Freire: Primeiro, o convite foi uma surpresa para mim, pois nunca tinha tratado de segurança pública. Foi um período de aprendizagem enorme, convivendo com o meio político, na busca de consenso.  Eu vinha de uma organização, as Forças Armadas, que é muito parecida com a que eu teria que lidar,, ou seja, onde manda quem pode e obedece quem tem juízo. Mas, depois de seis anos como secretário,  agindo com total carta branca, sem que o governador nunca tivesse me questionado, eu saí. Tasso foi um dos mais notáveis políticos que conheci. Tenho muito orgulho e honra de ter trabalhado com ele por quase dez anos consecutivos.
Contas Abertas: Depois o senhor foi para Brasília?
General Freire: Sim, e fui quatro anos assessor do Tasso no Senado, na Comissão de Segurança, criada em março de 2003. Tasso foi o presidente por duas vezes seguidas, Demóstenes Torres era o relator, tinha o Antônio Carlos Magalhães, Pedro Simon, Aloísio Mercadante e Borges e Seriz. Foi uma experiência muito boa. Quando cheguei aqui, pegamos todos os 240 projetos sobre segurança que tinha no Senado. A primeira CPI no Senado sobre violência foi em 1980. Pegamos dados que nos mostravam que o fenômeno da violência começava ainda na década de 70. O pessoal saía do campo e vinha para a cidade com esperança de encontrar emprego, estudo, saúde e lazer, mas não encontrava nada.
Contas Abertas: Essa realidade sugeriu elaborar algum projeto?
General Freire: O senador tinha uma assessoria muito boa e chegamos a colocar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso, a PEC 21, para mudança total no sistema de segurança no país. Não tem polícia civil nem militar, é uma polícia só. É um projeto que tem 80% de uma proposta do Instituto da Cidadania do Partido dos Trabalhadores, de 2002, que preparava Lula para ser presidente.
Contas Abertas: A PEC foi aprovada?
General Freire: Lamentavelmente, a PEC não conseguiu passar. O senador Romeu Tuma, que há pouco faleceu, era o relator. Colocou a mão em cima e o projeto não andou.
Contas Abertas: É uma questão de decisão política?
General Freire: Hoje eu vejo que não adianta querer fazer nada no Congresso. Há muitos interessados e desinteressados. Para se fazer algo, tem que ser por partes. Como reforma política, por exemplo, fala-se muito, mas não se aprova; anuncia-se a reforma tributária, mas não sai. E com a segurança é a mesma coisa. A votação de um projeto em blocos não passará em face de múltiplos interesses existentes. Por isso é necessário que seja discutido por fases.
Contas Abertas: Mas em termos de segurança, hoje temos o Fundo Nacional de Segurança Pública. O que lhe parece?
General Freire: Eu acho que até o acidente com aquela moça cearense no ônibus 174, no Rio de Janeiro, a União não queria saber de segurança pública. Mas aquele impacto foi tão grande que em 2000 surgiu o Fundo Nacional de Segurança Pública, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi a primeira vez que a União deu algum dinheiro aos estados para que tratassem de segurança pública.
 
Contas Abertas: Então, a União entrou tarde no assunto?

General Freire: A União entrou já tarde quando chegou com recursos, em 2000, e quando criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública.  Era uma instituição pequena, com 50 ou 60 pessoas no máximo, em todo o país. Mas ajudou muito na formação de novos policiais, no setor de inteligência policial, na atualização de estados como o Acre, São Paulo e Rio Grande do Sul. Foi tudo muito bom, mas muito pouco. Depois, em 2003, eu pensei que os projetos do Instituto de Cidadania fossem virar projetos de governo, mas não. Veio o SUSP (Sistema Unificado de Segurança Pública), em que todos os governadores de estados firmariam um pacto e parece que isso não deu certo e Lula acabou não conseguindo transformar a segurança em projeto de governo.
Contas Abertas: Qual a sua avaliação geral sobre o assunto?
General Freire: Os quatro primeiros anos do atual governo foram péssimos em termos de segurança pública. Não acrescentou nada. Depois, criaram uma Força Nacional totalmente desnecessária, heterogenia na sua formação, incapaz de fazer qualquer coisa. Criaram um plano, o Pronasci, com o então ministro da Justiça, Tarso Genro. Eu achei que era um novo plano totalmente desnecessário, mas me dediquei a estudá-lo. Havia uns 20 itens, por exemplo, que não deveriam ser tratadas pela Secretaria de Segurança Pública, mas pela de Assistência Social.
Contas Abertas: Como era na prática?
General Freire: O plano passava pelos estados e chegava aos municípios e se tornou eleitoreiro, porque tinha dinheiro para gastar. Mas se procurarmos resultados não encontraremos. Mas tudo foi numa época em que o ministro Tarso Genro já despontava como candidato ao governo do Rio Grande do Sul.
Contas Abertas: Então havia recursos...
General Freire: Não é só dizer que vai dar recursos, mas disponibilizar. Contudo, o orçamento fica contingenciado. Não adianta um projeto maravilhoso se não tem dinheiro. Tem que querer executá-lo.
Contas Abertas: O que é preciso para se ter guarnições eficientes na segurança pública?
General Freire: Essas corporações, policiais civis e militares, enquanto estiverem brigando não vão ajudar. Não posso pegar um delegado que estudou direito na universidade durante cinco anos, que passou em um concurso, e mandá-lo para o interior do país, sem nunca mais atualizar o conhecimento dele. Assim ele acaba com refém do prefeito e dos deputados, sozinho. Para atuarem na área de segurança precisam de cursos, de formação, recrutar o que há de melhor, dar continuidade na atualização. Não posso preparar um militar em quatro meses, armá-lo e colocá-lo na rua, sem saber o que vai fazer. Além disso, é preciso pagar bem. Isso não vai resolver o problema da corrupção, mas ajuda. Tem que dar atenção também às áreas de pesquisa criminal, do Instituto Médico Legal, institutos científicos e de identificação. Ali está a base de todos os inquéritos. No Rio de Janeiro, 3% de todos os homicídios não chegam à Justiça. No Distrito Federal, 70% chegam à Justiça.
Contas Abertas: Em resumo, precisamos de recursos e formação?
General Freire: É preciso ter um bom sistema de inteligência, não para servir a interesses políticos, mas para investigações. Depois, o  policial tem que ser bem formado e bem informado, tem que estar atualizado, ganhar bem, o filho tem que ter saúde, estar estudando. Recursos, formação, estrutura, corregedoria, inteligência, policia unificada, tudo isso dá auto-estima aos policiais. No Ceará, a Corregedoria é unificada, desde 1997. Um juiz e um Ministério Público ali na frente. Nos outros estados é uma corregedoria para a Polícia Civil, outra para a Militar e outra para os Bombeiros. Unificar é o primeiro passo. Então, a Corregedoria Geral deve ser única, com carreira própria, atendendo todo o sistema de segurança estadual, chefiado por um juíz de direito aposentado e, também, tendo a representação do Ministério Público. Para aperfeiçoar a segurança pública, acrescento ainda que é preciso acabar, de uma vez por todas, com qualquer influência política partidária na gestão das instituições de segurança, proibindo, inclusive, por lei a participação de policiais civis em organizações partidárias, como acontece com o Ministério Público, não permitindo também a existência de sindicatos na Polícia Civil, como acontece com a Polícia Militar. Ainda na ãrea de segurança pública, destaco também a necessidade urgente no combate ao tráfico de drogas. É preciso combater o tráfico de drogas e de armas por meio de 17.000 quilômetros de fronteira. O combate deve ser feito pelas policias Federal e estadual. Defendo a participação das Forças Armadas nesta luta, pois acredito que só desta forma poderems vencer esa batalha, cujos inimigos afrontam, diariamente, nossos governantes e amedrontam nossa sociedade.
Contas Abertas: O ex-candidato José Serra defendia a criação de um Ministério da Segurança, correto?
General Freire: Essa proposta está na PEC 21, que mencionei há pouco. Este instrumento consegue buscar a solução ideal. Sou meio sonhador, sei que é difícil, mas se colocassem no Congresso para votar o que há de melhor para a população, na saúde, na educação, na segurança... Algo como ‘vamos fazer um pacto’, ai sim, poderíamos chegar a boas soluções. Mas há disputas políticas. O negócio é que esses assuntos devem estar na agenda do presidente. Estou torcendo para que a presidenta Dilma acerte nesse sentido.
Contas Abertas: O Senhor já foi duas vezes secretário de Segurança Pública no Ceará e secretário no Governo do Distrito Federal. Qual sua impressão sobre os políticos brasileiros?
General Freire: A maioria dos nossos representantes, seja prefeito, governador, deputado não têm uma visão nacional. É uma visão muito estreita: ‘o que é que eu posso levar  para o meu município?’ Não interessa se é bom para o Estado, interessa o município. É a ponte, é a estradinha. Dos parlamentares da Câmara e do Senado, mais de 50% não entendem nada de economia, de relações internacionais, nada sobre orçamento! Isso para mim foi uma decepção, uma desilusão. Quando eu era jovem, tínhamos figuras iluminadas no Parlamento, como um Jarbas Passarinho. Hoje, não se engajam nos problemas. Mas como secretário, e isso não é demagogia,  quanto menor o índice econômico do cidadão brasileiro mais ele tenta colaborar com o Estado, mais ele dá de si e não pede nada em troca. Já o cidadão com mais recursos, com cargos, os empresários, por exemplo, sempre querem saber o que terão em troca.
Contas Abertas: Como secretário de Segurança Público do Distrito Federal sua permanência foi curta. O senhor deixou o cargo porque vislumbrou algum sintoma da operação “Caixa de Pandora”, que trouxe à tona um possível esquema de corrupção no qual estaria envolvido até o ex-governador José Roberto Arruda?
General Freire: Eu não deixei, eles me deixaram. Eu era assessor parlamentar do Tasso Jereissati, para quem já trabalhava há muitos anos. Não era para eu ter ido para o GDF, estava bem no Congresso Nacional. Mas eu fiquei me questionando o que estava fazendo no Congresso, já que já havia feito o projeto na área de segurança e que já estava quase para ser aprovado. Então o ex-vice-governador Paulo Octávio me convidou. Eu disse que aceitava, desde que tivesse carta branca assim como tive no governo do Tasso, no Ceará, e que a política não entrasse no meio.
Contas Abertas: Isso foi cumprido?
General Freire: No primeiro discurso do Arruda ele falou que segurança era questão de Estado, e não de governo. Mas isso não foi cumprido e o governador ainda queria saber de inquéritos. São pessoas que não tem compromisso. A política não é a busca do bem comum como nos ensinaram. A maioria procura vantagem, o bem próprio.
Contas Abertas: Como o senhor se posicionou?
General Freire: Não havia plano de segurança quando eu cheguei. O governador já tinha lançado toda a plataforma com os postos policiais, por exemplo, que foram lançados e para poder funcionar tinham que ter 30 homens. Então, em 300 postos teriam que ser nove mil policiais. Era uma ótima plataforma política. Eu disse que precisávamos fazer o embrião para ver se daria certo. Mas não funcionou assim. Esses postos deveriam estar onde os índices de criminalidade eram maiores, como funciona na Rússia e no Japão. Assim eu tenho absoluta certeza que daria certo. Esses policiais deveriam sair dos postos, passear dentro das quadras, visitar as lojas, conversar com os síndicos e porteiros, com os moradores. O ex-governador tinha prometido isso. Mas o policial não saía do posto e não tinha viaturas suficientes.
Contas Abertas: Esse modelo se aproxima das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro?
General Freire: O modelo que dá certo é unificar a polícia – civil, militar e bombeiro. Toda semana se reunir e dividir os dados, de quinze em quinze dias reunir os professores da área, o pessoal da saúde, os conselheiros comunitários para dizer: ‘está faltando luz naquela área e tem lixo neste lugar’. Na verdade, é uma obra de Estado. Não adianta mandar a polícia porque ela vai até o lugar, mata e sai. E o Estado tem que ficar com a escola, com o posto de saúde, com o saneamento, com uma delegacia. Acho que a Polícia Pacificadora é uma medida paliativa, necessária e muito boa. Mas o Estado tem que permanecer, senão, não vai funcionar.

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